Peregrinos chegam a Jerusalém, f 86v. Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr 5594, BnF |
O historiador muçulmano Ibn al-Athîr construiu no século XIII, por volta de duzentos anos após os fatos, uma narração caricata sobre as razões que impulsionaram a primeira Cruzada.
A narração desprovida de substância histórica, entretanto, serve para mostrar o ódio soez e falso que os islâmicos professavam sempre contra os seguidores de Jesus Cristo.
Elementos materialistas e caricatos desta lenda islâmica aparecem com relativa frequência, mas com véus mais dissimulados em muita literatura pseudo-histórica sobre as Cruzadas.
“A primeira manifestação de poderio e de expansão dos francos à custa dos países muçulmanos deu-se no ano 478 [Nota: pelo calendário islâmico, que corresponde ao ano 1085] com a tomada de Toledo e de outras cidades espanholas. Disso já falamos.
“No ano 484 (1091), eles completaram a conquista da Sicília como narramos; atacaram as costas da África, ocuparam-na em alguns pontos, mas nós as recuperamos depois.
“Mais tarde, eles voltariam para ocupar outros.
“No ano 490 (1097), eles invadiram a Síria, e eis a causa:
“O rei deles, Balduíno, tinha reunido um grande exército franco. Ele era parente de Roger, o Franco, que havia conquistado a Sicília, e mandou lhe avisar que tendo reunido esse grande exército pretendia ir à Sicília, atravessar o mar até a África [refere-se à Tunísia], conquistá-la, e assim se tornar seu vizinho.
“Roger convocou seus companheiros e lhe pediu conselho a esse respeito.
– “Pelo Evangelho, disseram eles, eis uma excelente ideia para nós e para ele: amanhã a África toda será cristã”.
“Então Roger levantou o pé, [omitimos uma torpeza obscena] e disse:
– “Pela minha fé, vós tendes boas ideias com essas palavras! Como?
“Se eles vêm de meu lado eu terei de pagar grandes despesas, equipar navios para transportá-los até África, lhes fornecer reforços tirados dos meus exércitos também.
“E se eles conquistam a África, eles receberão os fornecimentos produzidos na Sicília e eu deixarei de receber o benefício da venda anual das colheitas.
“E se eles não conquistam a África, eles voltarão a meus Estados e eu sofrerei grandes danos.
“Tamîm (o emir maometano da Tunísia) vai dizer que eu violei o tratado, que eu o enganei e assim ficarão prejudicadas as boas relações e o intercâmbio mercantil que existem entre nós desde que eu conquistei a Sicília pela força”.
Sitio de Jerusalém, Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr 5594, BnF f 88
“Roger mandou vir o embaixador de Balduíno e lhe disse:
– “Se vós tendes a intenção de fazer guerra santa contra os muçulmanos, seria melhor ir conquistar Jerusalém. Vós a libertareis de suas mãos, e vós voltareis cobertos de glória. No que se refere à África, nossa palavra e a deles está engajada em tratados”.
“Foi assim que eles iniciaram seus preparativos e se puseram em marcha em direção à Terra Santa.
“Conta-se também que os senhores muçulmanos do Egito, quando viram crescer o poder dos Seljúcidas e assistiram à conquista da Síria por eles, até Gaza, de tal maneira que entre eles e o Egito não ficava mais país que servisse de parapeito, e que Atsîz havia invadido o Egito, ficaram cheios de medo e decidiram pedir aos francos que invadissem a Síria, com o objetivo de se apoderar dela, e se interpor entre os muçulmanos do Egito e seus inimigos seljúcidas.
“Foi assim que os francos se puseram a caminho. (Prossegue a narração da I Cruzada)”.
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