segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A Batalha de Hastings, marco na história inglesa com imponderável de Cruzada (1)

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








No Ano do Senhor de 1066, perto da abadia de Hastings, Inglaterra, deu-se um dos acontecimentos que mais marcaram a história medieval. E que ainda continua marcando o presente. Veja fotos da re-encenação da batalha, e ainda mais AQUI.

Guilherme, o Conquistador, duque de Normandia, venceu o príncipe anglo-saxão Haroldo, tornando-se Rei da Inglaterra. Os leões da Normandia são até hoje símbolo da monarquia inglesa.

A luta pela sucessão após a morte do rei Santo Eduardo, o Confessor, fora difícil. Pelo costume inglês da época, o rei agonizante dava a conhecer o nome daquele que deveria lhe suceder. A escolha de Santo Eduardo era indubitável: o duque Guilherme. O rei doente o fez assim saber mais de uma vez.

Porém, Santo Eduardo veio a falecer enquanto Guilherme cuidava de seus feudos na sua Normandia natal, na França, do outro lado do Canal da Mancha.

Prevalecendo-se dessa ausência, o cobiçoso Haroldo declarou que o santo rei agonizante escolhera a ele, aduzindo o falso testemunho de alguns cúmplices.


Para o duque Guilherme a posse do trono inglês só poderia então ser feita pela força. Contudo, a travessia do Canal da Mancha por um exército se apresentava como arriscada demais. E Guilherme hesitou.

Não hesitou, entretanto, o Papa São Gregório VII , que via no duque da Normandia uma esperança para a Cristandade em perigo e uma esperança para comandar as Cruzadas para recuperar Terra Santa. O Santo Padre incitou-o a tomar o trono que lhe pertencia e, em sinal de apoio e legitimação, enviou-lhe o “estandarte de São Pedro”, sinal de que a Igreja estava com o duque normando.

Ficou para sempre gravada a partida de seu exército dos portos da França em navios que mais se assemelhavam aos dos vikings. Especialmente emocionante foi quando o vento enfunou as velas da nau ducal, pintadas com os leões deitados, hoje símbolo da coroa inglesa.

Reconstituição da nave do duque Guilherme. Museu de Bayeux, França.
O desembarque na ilha apresentava-se difícil. Descendo em grupos, os normandos bem poderiam ser aniquilados.

Porém, o acerto do operativo e a incúria dos ingleses permitiram aos guerreiros de Guilherme descer e se organizarem.

Haroldo os aguardava com seus homens e a batalha era tudo ou nada. Na noite anterior os ingleses entregaram-se à bebedeira, segundo velho costume pagão restaurado na decadência do catolicismo local.

Os normandos dedicaram-se à oração, à penitência e à assistência da Santa Missa. Ao amanhecer entoaram a Canção de Rolando e partiram ao combate.

Guilherme de Malmesbury (c. 1095/96 – c. 1143), o grande cronista da época, deixou um relato que é o ponto de referência para se compreender o histórico combate e que reproduzimos a seguir:

Ingleses se preparam para a batalha se embebedando

Os corajosos líderes prepararam-se para a batalha, cada qual segundo o seu costume nacional. Os ingleses passaram a noite em branco, bebendo e cantando, e de manhã lançaram-se sem demora contra o inimigo.

O príncipe Haroldo, Tapeçaria de Bayeux
Todos a pé, armados com machados de guerra, e protegendo-se com seus escudos, formaram um corpo impenetrável. Isso certamente teria garantido sua segurança naquele dia não fosse o fato de que os normandos, fingindo fugir, induziram-nos a abrir suas fileiras, que até aquele momento, segundo seu costume, tinham permanecido firmemente compactas.

O próprio Rei Haroldo ficou de pé com seus irmãos em torno ao estandarte, de maneira que compartilhando todos igual perigo, ninguém pensasse em recuar.

Normandos se preparam rezando e confessando seus pecados

Por outro lado, os normandos passaram toda a noite confessando seus pecados, e de manhã receberam a Comunhão do Corpo do Senhor.

A infantaria, com arcos e flechas, formou a vanguarda, enquanto a cavalaria, dividida em alas, foi colocada na retaguarda.

O duque, com semblante sereno, conclamou às armas declarando em alta voz alta que, como estava com a boa causa, Deus lhe seria favorável, e pediu suas armas.

Quando, devido à pressa, um de seus assistentes colocou sua cota de malha do lado errado, ele corrigiu o erro com um sorriso, dizendo: “O poder do meu ducado será transformado em reino”.

Normandos entoam a Canção de Roland e rezam a Deus

Começaram então a proclamar a Canção de Roland, a fim de que seu exemplo guerreiro estimulasse os soldados; e pedindo a ajuda de Deus, a batalha começou dos dois lados e travou-se com grande ardor, sem que nenhum lado cedesse terreno durante a maior parte do dia.

Vendo isso, Guilherme deu sinal às tropas para que, fingindo fugir, começassem a se retirar do campo. Com esse truque, a sólida falange dos ingleses abriu-se para perseguir o inimigo em fuga. E assim fazendo, condenou-se à repentina destruição.

Guilherme o Conquistador, William I of England.
Dando meia volta, os normandos os atacaram, obrigando-os a fugir. Enganados assim pelo estratagema, encontraram morte honrosa vingando-se contra o inimigo.

Muitas vezes os ingleses resistiam e matavam seus perseguidores nas cabeceiras. Tomando uma saliência do terreno, expulsaram os normandos, que no calor da perseguição lutavam até a encosta na direção do vale abaixo.

Lançando dardos e rolando pedras sobre eles, que se encontravam abaixo, os ingleses facilmente os destruíram.

Além disso, por uma pequena passagem com a qual estavam familiarizados, evitaram uma vala profunda e puseram os pés sobre uma tal multidão de inimigos que as pilhas de corpos nivelaram o desvão com a planície.

Esta alternância de vitórias e derrotas continuou enquanto Haroldo viveu para evitar a retirada. Mas, quando ele sucumbiu, com o cérebro perfurado por uma flecha, os ingleses fugiram sem parar até o cair da noite.

Na batalha, ambos os líderes se destacaram pela bravura

Haroldo, não contente com as funções de general, assumiu ansiosamente o lugar de soldado comum exortando aos outros.

Como estava sempre derrubando de perto o inimigo, ninguém podia aproximar-se dele impunemente, sob pena de serem o cavalo e o cavaleiro abatidos com um único golpe.

Guilherme o Conquistador, estátua equestre em Falaise, Normandia
Assim, foi longa a distância percorrida pela inimiga flecha mortal que o levou à morte.

Tendo um dos soldados ferido Haroldo na coxa enquanto este estava prostrado, Guilherme o verberou por essa vergonhosa ação e o expulsou do exército.

E, com sua voz e sua presença, entrou disposto igualmente a encorajar seus soldados, tendo sido dos primeiros a correr para o front do ataque grosso ao inimigo.

Guilherme estava em toda parte, feroz e furioso. Naquele dia perdeu três cavalos de escol, mortos debaixo dele.

O espírito destemido e o vigor do intrépido general, porém, insistia. Embora muitas vezes chamado de volta pelo protesto de sua guarda, ele persistiu no combate até que a noite se aproximou e o coroou com a vitória completa.

Sem dúvida a mão de Deus o protegeu, pois não obstante tantos dardos terem sido jogados contra ele, o inimigo não pôde derramar o seu sangue.

Este foi um dia decisivo para a Inglaterra.

(Original: William of Malmesbury (+ 1143?); “The Battle of Hastings, 1066”. O texto foi resumido em algumas partes para caber nos posts. Texto completo em: Medieval Sourcebook. From: James Harvey Robinson, ed., Readings in European History, 2 Vols. (Boston: Ginn & Co., 1904-06), Vol. I: From the Breaking up of the Roman Empire to the Protestant Revolt, pp. 224-229. Scanned in and modernized by Dr. Jerome S. Arkenberg, Dept. of History, California State - Fullerton).




Gesta de Guilherme o Conquistador, Tapeçaria de Bayeux





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Um comentário:

  1. Um rei muito inteligente e habilidoso , mesmo tendo um lado justo como um lado autoritario !

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