Coroação de Amaury I, rei de Jerusalém Biblioteca Nacional da França, Mss fr 68, folio 297v |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A morte do rei de Jerusalém Amaury I [pai de Balduíno IV] foi um desastre. Jamais uma desaparição teve tão graves consequências para o destino de um Estado.
Como político audacioso, Amaury optou por vias novas, com iniciativas através das quais a Cruzada seria triunfante ou ferida de morte.
Após conseguir durante um momento estabelecer o protetorado franco sobre o Egito, viu seu intento virar contra ele e o Egito cair precisamente no poder do mais temível dos chefes muçulmanos: o grande Saladino.
Mas a última palavra ainda não havia sido pronunciada e tudo podia ser consertado. Porém, o destino levou-o brutalmente no momento decisivo.
Sua morte deixara o campo livre para Saladino. Este se apresentou em 25 de novembro de 1174 diante de Damasco, entrou sem encontrar resistência e anexou a grande cidade.
Homs e Hama tiveram a mesma sorte. Com exceção de Alepo, Saladino ficou dono da Síria muçulmana e do Egito.
Virada catastrófica de situações! Na véspera, o reino franco de Jerusalém se beneficiava da divisão político-confessional entre o Cairo e a Síria, manipulando à vontade a anarquia muçulmana e apresentando-se como árbitro do Oriente.
Eis que, da noite para o dia, ele se encontrou cercado por uma poderosa monarquia militar dirigida por um chefe de talento, prestes a explorar todas as divisões dos francos.
Para recolher essa terrível herança, Amaury I só deixou um filho de treze anos, o jovem Balduíno IV.
É verdade que o adolescente sobre quem pousava o destino da França de ultramar mostrava ser um dos mais brilhantes representantes da dinastia de Anjou.
Ele era, segundo nos conta Guilherme de Tiro, um menino charmoso e notavelmente dotado: formoso, vivo, aberto, ágil nos exercícios físicos, perfeito ginete.
Ele tinha uma grande rapidez de espírito e uma excelente memória — “jamais esqueceu um insulto, menos ainda um favor” —, manifestava-se como o mais cultivado dos príncipes de sua família.
Desde os nove anos fora-lhe dado como preceptor o futuro arcebispo Guilherme de Tiro, historiador e homem de Estado, que depois seria seu chanceler.
Sabemos pelo testemunho do mestre que o aluno aproveitava admiravelmente as aulas, especialmente as de letras latinas e o estudo da história, que o apaixonava.
Guilherme de Tiro descobre a lepra no futuro rei Balduíno IV |
Esse menino tão formoso, tão comportado e já tão cultivado, fora atingido secretamente do mal horrível que lhe valeu o apelido de Balduíno o Leproso.
Guilherme nos conta como foi percebida a doença, num dia em que o jovem príncipe brincava com outras crianças.
“Acontecia que no entusiasmo do jogo as crianças machucavam as mãos, e então choravam. Somente o pequeno Balduíno não se queixava. Guilherme ficou surpreso. O menino respondeu que não sentia nada. Viu-se então que sua epiderme era realmente insensível. Foi confiado aos mires, mas sua arte se revelou impotente para curá-lo”.
Foram os primeiros sintomas da terrível doença que, ano após ano, foi fazendo desse adolescente cheio de valia um cadáver vivo.
O reinado do infeliz jovem de 1174 a 1185 – subiu ao trono com 13 anos e morreu com 24 – não foi, entretanto, apenas uma lenta agonia, mas uma agonia a cavalo, enfrentando o inimigo, sempre ereto, em virtude do sentimento da dignidade real, do dever cristão e das responsabilidades da coroa nessas horas trágicas onde ao drama do rei correspondia ao drama do Reino.
E quando a doença piorou e o Leproso não mais podia montar na sela, ele se fez levar de liteira ao campo de batalha e a simples aparição desse moribundo sobre a liteira punha em fuga os muçulmanos.
continua no próximo post: O rei leproso começa pondo em xeque o poder de Saladino
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