quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Fernán González, conde de Castela, herói de legenda

Don Fernán González, conde de Castela
Don Fernán González, conde de Castela
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Estava o conde Fernán González caçando com os seus cavaleiros na vila de Lara. De repente, um feroz javali saiu disparado de um matagal.

O conde, desejoso de caçar tão boa presa, sem esperar por seus companheiros, saiu a cavalo em perseguição ao animal, que corria velozmente.

Por fim chegou a uma ermida desconhecida, onde o javali se meteu pela porta.

Então o conde, pegando a espada, se dirigiu à ermida, onde a fera tinha entrado.

O javali havia se refugiado atrás do altar. O conde se ajoelhou diante do altar e começou a rezar.

Neste momento saiu da sacristia um monge de venerável aspecto e avançada idade, apoiado num rude e retorcido cajado.

Aproximou-se do conde e saudou-o, dizendo:



“E ainda te digo que antes de começar a batalha terás um sinal, que te fará arrepiar a barba e aterrorizará a todos os teus cavaleiros. Agora vai, vai lutar, que hás de alcançar a vitória”.
Túmulo de Don Fernán Gonzalez, Covarrubias, cruzadas, 1º conde de Castela
Túmulo do conde Fernán Gonzalez,
San Cosmas, Covarubias
O conde agradeceu ao monge por suas palavras e saiu da ermida.

Montou a cavalo e galopou através da mata, até encontrar seus cavaleiros, já impacientes pela tardança de seu senhor.

O conde ordenou seu batalhão e se dirigiu ao encontro de Almanzor, que vinha correndo para o ataque.

Quando viram o exército mouro, prepararam-se para o combate.

O conde viu, entretanto, que tinha poucos soldados.

Nisto um cavaleiro cristão se adiantou, passando velozmente diante do exército dos infiéis.

Apenas galopou um pouco, e a terra se abriu, tragando o cavaleiro.

Depois se fechou, e tudo ficou como antes.

Grande terror se difundiu pelo exército cristão, mas Fernán González, que sabia que esse era o temeroso sinal anunciado pelo monge da ermida, disse em alta voz a seus cavaleiros:

“Não temais! Se a terra não é capaz de suportar-nos, quem poderá conosco? Vamos para o ataque!”

E se lançaram contra os mouros, que já galopavam também, prontos para o encontro.

O choque dos exércitos foi terrível.

Os cristãos, apesar de serem poucos, conseguiram resistir ao primeiro ataque dos mouros, e logo estes começaram a retroceder.

O conde, que havia sido quem dera as primeiras baixas no adversário, animava seus guerreiros, e era o mais valente de todos.

Mosteiro de São Pedro de Arlanza
Mosteiro de São Pedro de Arlanza
Ao cabo de algumas horas os mouros fugiram, deixando todos os despojos em poder das hostes do conde.

Grande vitória para os cristãos, que retornaram cheios de alegria.

O conde separou uma parte dos despojos e foi à ermida, para entregá-la ao monge que lhe profetizara a vitória.

E o encarregou de erguer uma igreja, que foi logo o famoso Mosteiro de São Pedro de Arlanza.

O califa Abderramán recebia dos cristãos um tributo a cada ano.

Mas em determinada ocasião os reis D. Ramiro de Castela e D. Garcia de Navarra, e Fernán González, que era o conde tributário de Castela, se negaram a pagar o vergonhoso tributo.

E não só se negaram a pagar, mas mataram os insolentes mensageiros que o califa mouro enviara para reclamar o tributo.

Quando isto chegou aos ouvidos de Abderramán, este se enfureceu, e com seu exército entrou no território dos castelhanos, destruindo os campos e fazendo cruel vingança contra os habitantes daquelas terras.

Túmulo do conde Fernán González, San Cosmas, Covarrubias
O Rei D. Ramiro, recebendo o aviso da proximidade do exército mouro, preparou seus guerreiros, que esforçadamente saíram ao encontro do inimigo.

Disseram-lhe que os muçulmanos vinham em grande número, mas ele não deu muito crédito.

Mas quando viu chegar a enorme hoste sarracena, voltou até Simancas, e dali enviou cartas a Fernán González e ao Rei Garcia.

Acudiram os dois ao mesmo tempo. Mas todo o exército cristão não chegava a alcançar nem a metade dos muçulmanos. Então o Rei Ramiro disse:

“Não tenho nenhum conselho que possa servir-nos. Grande é a hoste dos infiéis mouros e minguada a nossa.

“Mas temos a proteção de São Tiago, que está enterrado em terras galegas.

“Por ele obra Nosso Senhor grandes milagres, e a ele quero me encomendar, e prometo dar-lhe meu reino se nos ajudar nesse apuro”.

São Millán (ou Emiliano) na batalha de Simancas, padroeiro de Castela
Fernán González e D. Garcia responderam:

“Em nossa terra há o corpo de São Millán, que também opera grandes milagres. A ele nos entregamos, e juramos dar-lhe tributo”.

No outro dia de manhã saíram da fortaleza e se dispuseram para o combate. Antes de começar, todos os cristãos se ajoelharam para rezar.

Os mouros, vendo seus inimigos nesta posição, pensaram que estes, aterrorizados, queriam se entregar.

Lançaram-se contra eles, mas os fiéis de Cristo montaram em seus corcéis rapidamente e detiveram o ímpeto de seus inimigos. Grande fúria foi a dos castelhanos, leoneses e navarros.

E ainda aumentaram seu valor quando, em meio ao combate, viram aparecer dois desconhecidos cavaleiros que, montados em formosos corcéis brancos, se puseram à frente dos exércitos cristãos.

E destroçaram os mouros de tal modo, que eles acreditavam que, em vez de dois, havia dois mil cavaleiros sobre os corcéis.

Atrás dos dois avançavam os cristãos, e desde Simancas até Aza perseguiram os mouros, que fugiram vencidos.

Grande foi a alegria dos católicos.

Quando procuraram os dois cavaleiros, que tanto contribuíram para a vitória, não puderam encontrá-los, e compreenderam que eram os dois santos a quem haviam prometido pagar tributo, se os ajudassem.

E desde então esse tributo foi pago.


(V. Garcia de Diego, "Antología de Leyendas de la Literatura Universal" - Labor, Madrid, 1953, p. 27)





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