Sítio de Jerusalém. Biblioteca Nacional da França, Français 10, fol 412v. |
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Nós dissemos várias vezes e tivemos ocasião de notar como frequentemente os homens que passam à posteridade por terem dominado seu século, são os que por primeiro, se deixaram dominar, eles mesmos, e dele se mostraram seus mais apaixonados intérpretes.
Um dos resultados dessa cruzada foi levar o espanto e o terror para o seio das nações muçulmanas e colocá-las, por muito tempo na impossibilidade de tentar algum empreendimento contra o Ocidente.
Graças às vitórias dos cruzados, o império grego recuou seus limites e Constantinopla, que era o caminho do Ocidente para os muçulmanos, ficou a salvo de seu ataque.
Nessa expedição longínqua, a Europa perdeu a fina flor de sua população; mas não foi como a Ásia, o teatro de uma guerra sangrenta e desastrosa, de uma guerra na qual nada era respeitado, onde as cidades e as províncias eram ora devastadas pelos vencedores ora pelos vencidos.
Enquanto os guerreiros vindos da Europa derramavam seu sangue nos países do Oriente, o Ocidente vivia em profunda paz.
Entre os povos cristãos, considerava-se então um crime, usar armas por outro motivo, que não por Jesus Cristo.
Essa opinião contribuiu muito para acabar com o banditismo e para fazer respeitar a trégua de Deus, que foi, na Idade Média, o germe ou o sinal de melhores instituições.
Fossem quais fossem os reveses da cruzada, eram eles menos deploráveis que as guerras civis e os flagelos da anarquia feudal que tinham por muito tempo devastado todas as regiões do Ocidente.
Essa primeira cruzada trouxe outras vantagens para a Europa. O Oriente, na guerra santa, de algum modo foi revelado ao Ocidente, que muito mal o conhecia.
O Mediterrâneo foi mais frequentado pelos navios europeus; a navegação fez algum progresso, e o comércio, principalmente o dos pisanos e genoveses, aumentou e se enriqueceu com a fundação do reino de Jerusalém.
Uma grande parte, é verdade, do ouro e da prata que se encontrava na Europa, tinha sido levada à Ásia, pelos cruzados; mas esses tesouros, escapados pelo temor ou pela ambição, estavam perdidos há muito tempo para a circulação; o ouro que não foi levado na cruzada, circulou mais livremente e a Europa, com uma menor quantidade de dinheiro, parecia na verdade, mais rica do que jamais o tinha sido.
Nós não vemos, embora se tenha dito, que, na primeira guerra santa a Europa tenha recebido grandes luzes do Oriente.
Durante o século XI a Ásia se tinha tornado teatro das mais espantosas revoluções. Nessa época, os sarracenos e principalmente os turcos não cultivavam as artes e as ciências.
Os cruzados com eles só tiveram relações belicosas, numa guerra terrível. Por outro lado, os francos desprezavam muito os gregos, entre os quais além disso, as ciências e as artes estavam em decadência, para de eles receber qualquer gênero de instrução.
No entanto, como os sucessos da cruzada tinham impressionado vivamente a imaginação dos povos, esse espetáculo grandioso e imponente, era bastante para dar uma espécie de impulso ao espírito humano no Oriente.
Falaremos alhures do caráter dessa cruzada; diremos somente, aqui, algumas palavras sobre o bem que ela pôde fazer à geração contemporânea.
Sabemos bastante de quantos males foi acompanhada. Os desastres mais nos ferem na história e não temos necessidade de recordá-los, mas o bem e seus progressos insensíveis são menos fáceis de perceber.
O primeiro resultado da cruzada para a França, foi a glória de nossos antepassados: quantos nomes ilustres nessa guerra!
As recordações gloriosas são um proveito real, pois fundem a existência das nações com a das famílias.
Não nos esquecemos do apelo que o Papa Urbano fez à nação belicosa dos francos e a história narra os prodígios com os quais estes responderam ao apelo do pontífice.
Um cronista nos diz que Deus, nessa ocasião, rejeitou os grandes monarcas da terra e não quis associar aos seus desígnios, senão a França, que estava pura na sua presença, pois nenhuma heresia até então tinha manchado o seu povo.
O Abade Guibert que tinha escolhido para título de sua história estas palavras: Gesta Dei per Francos (Feitos de Deus, pelos francos) expressou ao mesmo tempo o pensamento de seus contemporâneos como o da posteridade.
O que havia de mais interessante no tempo dos cruzados, é que o mundo julgava-se velho e perto do seu declínio: Guibert admirava-se de que as maravilhas, como as de que se era testemunha, tivessem acontecido num tempo de decrepitude.
A conquista de Jerusalém, por fim, sepultou os espíritos e os avisou de que o mundo não estava no fim, e que uma grande revolução ia começar para renovar o Oriente e o Ocidente.
“Nós sabemos, e não duvidamos, diz Guibert, que Deus não empreendeu estas coisas para a salvação de uma única cidade, mas Ele lançou em toda a parte, sementes, que produzirão muitos frutos”.
De todos os lados, já todos se entregavam com ardor ao estudo da gramática: o número sempre crescente de escolas tornava-lhes fácil o acesso, mesmo aos homens mais rudes.
O Abade de Nogent, começando sua história, declara que ele quer ornar o seu estilo e que seu intento é produzir um livro digno do tempo em que ele escreve e principalmente as maravilhas que ele vai celebrar.
Outros escritores tinham já começado a traçar a história dessa época memorável.
(Autor: Joseph-François Michaud, “História das Cruzadas”, vol. II, Editora das Américas, São Paulo, 1956. Tradução brasileira do Pe. Vicente Pedroso, páginas 72-83).
Continua no próximo post
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