Balduíno IV na batalha de Montgisard. Charles Philippe Larivière (1798-1876). |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post anterior: O rei leproso começa pondo em xeque o poder de Saladino
A brilhante vitória do jovem soberano na Beqaa só fazia aumentar o pranto pela doença incurável que o tinha atingido.
A lepra piorava, vedando-lhe qualquer esperança de casamento. No lendemain de seu triunfo ele se encontrou na obrigação de acertar as questões relativas à sucessão.
A escolha de Balduíno IV e de seus conselheiros recaiu no barão piemontês Guilherme Longa-Espada, filho do marquês de Montferrato.
No início de outubro de 1176 esse loiro jovem, um dos mais formosos e valentes cavaleiros de sua época, desembarcou em Sidon, onde desposou a princesa Sibila, irmã de Balduíno, em meio a magníficas festas.
Mas a sorte se encarniçava contra a França de ultramar. Após poucos meses, o paludismo levou Guilherme à cidade de Ascalon, voltando o problema da sucessão a ficar em aberto (junho de 1177).
Nesse ambiente desembarcou na Palestina, acompanhado de uma impressionante escolta, um cruzado ilustre: o conde de Flandres Filipe de Alsácia. Balduíno IV, que era seu primo em primeiro grau, acolheu-o como um salvador.
Justamente naquele momento, o imperador bizantino Manoel Comneno cumpria com as promessas feitas ao falecido rei Amaury e anunciava o envio de uma Armada para cooperar com os francos numa nova incursão no Egito.
Porém, Filipe recusou-se a participar dessa expedição que lhe parecia incerta.
Não deixava de ser verdadeiro que o império de Saladino só podia ser derrubado no Egito, mas com a condição de que franceses e bizantinos dessa vez cooperassem nas operações com idêntico ardor.
Malgrado as súplicas patéticas do Rei Leproso, Filipe da Alsácia ficou obstinado na sua recusa. Sentindo-se rejeitados, os almirantes bizantinos fizeram vela.
Montgisard: o local da batalha |
Saladino percebeu que, assim agindo, a Palestina ficava desguarnecida de defensores.
Deixou então logo o Egito com sua cavalaria, e conduziu um ataque fulminante contra Ascalon, a principal via de circulação do poder franco no sudoeste.
Nessa situação angustiante, o jovem rei foi heroico.
Ele só tinha ao alcance das mãos cerca de 400 homens. Reunindo todos os soldados que podia, saiu para interceptar o invasor com a relíquia da Verdadeira Cruz.
Sua marcha foi tão rápida que ele se adiantou a Saladino em Ascalon. Mas apenas entrou na fortaleza, foi atacado pelo exército egípcio, composto por 26 mil homens.
A situação dos francos parecia tão desesperadora que Saladino negligenciou esse pequeno e miserável exército, cuja rendição lhe parecia questão de horas.
Ele deixou então Ascalon sitiada por alguns magotes de tropas e partiu direto contra a Judeia e Jerusalém, desprovidas de defensores.
Balduíno IV na batalha de Montgisard, detalhe. Charles Philippe Larivière (1798-1876). |
Em sua marcha triunfal e sem obstáculos, ele chegou perto de Telle Djezer, que os francos chamam de Montgisard.
Ali ele foi comandar a travessia do leito de um rio seco (“oued”) quando, para sua estupefação, viu surgir por cima de si, do lado menos esperado, esse exército franco que ele julgava reduzido à impotência atrás das muralhas de Ascalon (25 de novembro de 1177).
É que ele não tinha levado em conta Balduíno IV.
Assim que o rei, desde o alto das torres de Ascalon, constatou a partida de Saladino, saiu a campo com seu pequeno exército.
E, em lugar de seguir o inimigo pela grande rota de Jerusalém, ele o fez por um atalho ao norte, ao longo da costa, virando em linha reta para o sudeste e cortando a estrada dos muçulmanos.
Um vigoroso desejo de vingança crescia na pequena tropa enquanto atravessava os campos incendiados pelos predadores inimigos. Perto de Ramla, perceberam as colunas muçulmanas entrando no leito do rio.
Com certeza, em qualquer outra ocasião, a cavalaria franca teria hesitado diante de sua incrível inferioridade numérica, mas o fogo dos primeiros cruzados animava o Rei Leproso.
“Deus, que faz aparecer sua força nos débeis, escreveu Miguel o Sírio, inspirou o rei doente.
“Ele desceu de sua montaria, prosternou-se em terra diante da Cruz e rezou com lágrimas nos olhos.
“Diante deste espetáculo, o coração de todos os soldados ficou emocionado, jurando eles sobre a Cruz não retroceder e ter em conta de traidor quem quer desse meia-volta.
“Eles voltaram a montar os cavalos e carregaram”.
Na primeira fileira ia a Verdadeira Cruz, levada pelo bispo D. Aubert de Belém. Ela iria mais uma vez dominar a batalha: mais tarde os combatentes cristãos disseram ter tido a impressão de que no meio do engajamento ela parecia imensa a ponto de tocar no céu.
Os cronistas nos descrevem Balduíno IV e seus 400 cavaleiros imergindo e desaparecendo num instante entre a multidão das forças muçulmanas que tentavam se reorganizar no leito do rio seco.
Os muçulmanos acharam de início que afogariam os cristãos pelo peso do número, mas logo começaram a perder o controle diante da fúria francesa.
“O local da passagem, diz o “Livro dos dois jardins”, ficou entulhado com as bagagens do exército. Subitamente surgiram os esquadrões dos francos, ágeis como lobos, latindo como cachorros, que carregaram em massa, ardendo como chamas. Os muçulmanos perderam pé”.
Batalha de Montgisard, conceito moderno
Saladino, o sultão do Egito e de Damasco, com seus milhares de turcos, curdos, árabes e sudaneses, fugiu diante dos 400 cavaleiros do jovem leproso.
E foi uma fuga em debandada, jogando bagagens, cascos, armas, galopando através do deserto de Amalek, em linha reta rumo aos córregos de Egito e do delta do Nilo.
Balduíno IV passou dois dias para recolher um botim prodigioso em todas as estradas, e depois retornou a Jerusalém num cortejo triunfal.
De fato, vitória cristã mais bela jamais foi obtida no Levante.
E na ausência do conde de Flandres e do conde de Trípoli, todo o mérito recaiu no heroísmo do rei que com seus 17 anos se igualava à maturidade de um Godofredo de Bouillon ou de um Tancredo, triunfando ainda que por um instante sobre a doença que corroía seu corpo.
(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).
continua no próximo post: Saladino é forçado a aceitar a paz diante do rei leproso
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