Porta da Ponte, Sébastien Mamerot, Les Passages d’Outremer, Fr 5594, BnF |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O historiador Ibn abi Tayyî (1160 – 1235 aprox.), da seita xiita, deixou um escrito sobre o impacto da tomada de Trípoli pelos Cruzados, liderados pelo rei Balduíno e os heróis Tancredo e Saint-Gilles.
A cidade, e, sobretudo, a sua biblioteca, eram o grande polo dos erros e superstições islâmicos, aonde acorriam ulemás (doutores) e sufis (curandeiros-bruxos) para se aprofundarem em seus sofismas e nas artes mágicas.
“Havia em Trípoli – escreveu Ibn abi Tayyî – um palácio da Ciência que não havia igual em país algum pela sua riqueza, beleza ou valor.
“Meu pai me contou que um sheik de Trípoli disse ter estado com Frakhr al-Mulk b'Ammar em Shayzar e que ele desmaiou quando soube da queda Trípoli.
“Recuperando-se, chorava copiosamente. ‘Nada me aflige tanto, dizia ele, quanto a perda do palácio da Ciência. Lá havia três milhões (sic) de livros, todos de teologia, ciência corânica, hadiths, de adabs e ainda outros cinquenta mil exemplares do Corão e vinte mil comentários sobre o Corão feito por Alá todo-poderoso’.
“Meu pai acrescentava que esse palácio da Ciência era uma das maravilhas do mundo.
“Os Banu'Ammâr haviam investido nele enormes riquezas; ali trabalhavam cento e oitenta copistas dia e noite. Os Banu'Ammâr tinham agentes em todos os países que compravam para eles livros seletos.
“Em verdade, naquele tempo Trípoli inteira era o palácio da Ciência. Os grandes espíritos de todos os países iam à cidade, todas as ciências eram cultivadas e protegidas pelos príncipes. Por isso, lá iam os adeptos da ciência corânica.
“Quando os francos entraram em Trípoli e a conquistaram, eles queimaram o palácio da Ciência porque um de seus padres malditos tendo visto esses livros ficou horrorizado.
“Ele julgou ter achado o Tesouro dos Alcorões. Ele estendeu uma mão para pegar um volume: era um Corão; estendeu a mão para outro lado e era ainda um Corão, em direção a um terceiro e era ainda a mesma coisa.
“De onde ele concluiu: ‘não há senão exemplares do Corão dos muçulmanos nesta casa’. Quando ele disse isso os francos queimaram-na.
“Entretanto, conseguiu-se salvar alguns livros que foram levados a países muçulmanos.
“Eles destruíram todas as mesquitas e estiveram a ponto de massacrar todos os habitantes muçulmanos. (...)
“Quanto ao governador e algumas de suas tropas, eles se refugiaram no palácio do Emir, e se defenderam durante alguns dias. Depois pediram um armistício, obtiveram-no, foram expulsos da cidade, e foram para Damasco.
“Depois os francos reuniram os notáveis que depois de se confessarem ricos foram golpeados até que todos entregassem suas fortunas. Muitos morreram torturados.
“A cidade foi dividida em três partes, uma para os genoveses, outra para Balduíno, rei dos Francos em Jerusalém, e outra para Saint-Gilles, o maldito.
“A tomada de Trípoli e o acontecido à sua população consternaram todo o mundo islâmico.
“Houve reuniões nas mesquitas em duelo pelos mortos. Todo o mundo ficou tomado de medo e persuadido da conveniência de migrar.
Vento desvia frota egípcia (1105)
“Um grande número de muçulmanos partiu para o Iraque e para a Djéziré. Alá sabe melhor (...).
“Quando a frota egípcia chegou a Tiro oito dias depois, soube da queda de Trípoli por um golpe da sorte.
“Jamais partira do Egito frota semelhante. Ela levava reforços, víveres, dinheiro, para aprovisionar Trípoli pelo espaço de um ano.
“Quando o comandante da frota soube da queda de Trípoli repartiu as provisões e o dinheiro que tinha trazido entre Tiro, Saïda, Beirute e as outras praças fortes muçulmanas, e levou a frota de volta para o Egito.
“Fakir al-Mulk b.'Ammâr, senhor de Trípoli, durante a queda da cidade se reuniu com o emir Ibn Munqidh, que lhe oferecia hospitalidade. Ele foi até Djabala e se estabeleceu ali após trazer provisões e armas.
“Tancredo foi atacá-lo e lhe deu duros combates. O cadí Fakhr al-Mulk pediu socorro aos príncipes vizinhos, fazendo-lhes sentir a perfídia dos Francos, e que se eles ocupassem essa cidade, eles iriam à procura de outra, e que seu poder cresceria a ponto de poder conquistar toda a Síria e expulsar os muçulmanos.
“A carta era extensa, ela fez sangrar os corações e chorar os olhos, mas ninguém lhe respondeu. (...)”.
(Fonte: “Orient et Occident au temps des Croisades” de Claude Gahen, “Collection historique” dirigée par Maurice Agulhon et Paul Lemerle, éditions Aubier Montaigne, Paris, 1992, rubrique Documents, pages 219 à 223 apud Internet Medieval Sourcebook.
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