Luis Dufaur
Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
continuação do post anterior: Muçulmanos iniciaram violências e morticínios contra os peregrinos
Dez anos depois (no ano 1064), 7 mil cristãos franceses e alemães partiram juntos para Jerusalém.
Guilherme, bispo de Utrecht; Sigefroi, bispo de Mayence; Gunther, bispo de Bamberg; Otton, bispo de Ratisbona e muitos outros senhores das duas nações fizeram parte desta tropa. J. Voigt citou um episódio curioso desta grande peregrinação [Histoire du pape Grégoire VII e de son siècle, c.III e VIII]:
“Esses peregrinos, diz ele, tiveram a imprudência de revelar suas riquezas no caminho.
“Por toda parte, nos campos e nas cidades que eles atravessavam, corriam-se para admirar seus esplendores.
“Chegando às terras dos sarracenos, eles estavam a um dia de Ramla, quando, na véspera da Páscoa, às três horas da tarde, eles se viram cercados por bandas árabes que, com o barulho de sua chegada, se armaram para pilhá-los.
“A luta começou no campo, e, no primeiro choque, muitos cristãos caíram mortos e despojados de tudo o que eles possuíam.
“Ganhou-se pouco a pouco um vilarejo que alguns tomavam por Cafarnaum.
“Ali, os peregrinos se refugiaram em um pátio, cercado por uma muralha muito baixa e quase em ruínas.
“Ela rodeava uma casa do qual o apartamento superior era felizmente disposto para a defesa.
“O arcebispo de Mayence, o bispo de Bamberg e seus eclesiásticos se colocaram ali; os outros prelados permaneceram embaixo.
“Os leigos se colocaram na muralha a fim de sustentar o ataque do inimigo.
Embora cercados de todos os lados por uma multidão, eles saíram, se precipitando sobre os árabes, desarmando um grande número e os combatendo corpo a corpo.
“A noite veio; os ladrões, vendo que eles estavam lidando com homens intrépidos, investiram contra a casa, a fim de reduzir, pela fome e o cansaço, aqueles que eles não podiam consumir.
“Eles estavam, diz-se, no número de 12 mil homens. No dia seguinte, dia de Páscoa, atacados ao amanhecer do dia, os peregrinos combateram até três horas da tarde, sem ter podido tomar nem descanso nem alimento.
“No dia seguinte, pressionados pela fome e a fadiga, eles seguiram o conselho de um padre, que lhes disse que Deus jamais tinha abandonado aqueles que se devotaram a Ele.
“Eles enviaram aos árabes um interprete encarregado de pedir a capitulação.
“O chefe dessas bandas veio com o interprete, acompanhado de 17 dos seus, os mais distintos de sua tropa. Ele deixou seu filho na porta com guardas, a fim de impedir qualquer outro de entrar.
“Ele subiu, seguido de alguns de seus companheiros, no cômodo onde estavam o bispo de Mayence e o bispo de Bamberg.
“Este último pediu passagem livre, oferecendo entregar-lhe, para isso, tudo o que ele tinha.
“Contudo, o árabe, exasperado por uma resistência que o tinha detido por três dias, replicou que era para ele prescrever as condições, e não os cristãos, e que ele queria comer suas carnes e beber de seu sangue.
“Pronunciando essas ameaças, ele desenrolou a faixa de tecido que formava seu turbante; e a lançou em torno do pescoço do prelado para estrangulá-lo.
“Este, calmo e tranquilo, deu um soco tão forte no rosto do árabe que ele caiu aos seus pés.
“Os outros peregrinos, testemunhas desta cena, agarraram seus companheiros e amarraram suas mãos nas costas.
“Com seus gritos assustadores, os cristãos, que estavam sobre a muralha, se encorajaram e atacaram as posições árabes que os bloqueavam, matando uns e colocando em fuga os outros.
“Então, aqueles do estágio superior desceram, levando diante deles os chefes amarrados, expondo-os nos lugares aonde os lanceiros caíram, tendo sobre suas cabeças a espada suspensa e ameaçando matá-los se o combate não cessasse imediatamente.
“Sob as súplicas desses prisioneiros, o filho do chefe inimigo ordenou à sua tropa furiosa para baixar as armas.
“Nesse mesmo momento chegou um mensageiro enviado por aqueles peregrinos que tinham conseguido chegar a Ramla, após terem sido completamente despojados.
“Ele anunciava que o governador de Ramla, em troca de uma soma acordada, vinha ao socorro dos cristãos com grandes tropas. A esta notícia, os árabes fugiram.
“O socorro chegou, com efeito: os cristãos entregaram ao governador seus cativos e a soma estipulada; e eles entraram sem outra dificuldade em Ramla.
“Uma escolta lhes foi dada em seguida para colocá-los a salvo dos ataques; eles chegaram em Jerusalém.
“Contudo, o número de peregrinos já estava reduzido pela metade; e aqueles que sobreviveram, despojados de tudo, não poderiam entrar em Jerusalém, o fim de todos seus suspiros, se eles não tivessem uma peça de ouro nas mãos para pagar na porta; aqueles que não puderam obtê-la, só puderam andar miseravelmente em torno das muralhas da cidade santa aonde repousava a tumba de seu Salvador”.
(Autor: J. Collin de Plancy. “Légendes des Croisades depuis les premiers temps jusqu'a nos jours”, Henri Plon, Paris).
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