terça-feira, 12 de março de 2024

Um rei leproso e herói, em uma corte decadente e pusilânime

Renaud de Châtillon, senhor díscolo e caprichoso pôs o reino a perder
Renaud de Châtillon, senhor díscolo e caprichoso
pôs o reino a perder
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




continuação do post anterior: Saladino é forçado a aceitar a paz diante do rei leproso



Infelizmente, o estado de Balduíno IV se agravava. A lepra se manifestava em toda a sua repugnância. E, com os estigmas, o temperamento do heroico jovem se toldava.

A herdeira do reino era sua irmã Sibila, a quem o marido, antes de morrer, deixou grávida de um filho, Balduíno V.

Como o rei Leproso podia desaparecer de um momento para outro e era de se prever uma longa regência, era necessário casar a princesa o mais cedo possível.

O rei e a corte procuravam um partido conveniente nas famílias soberanas do Ocidente, quando a princesa fez saber que seu coração estava com um jovem sem fortuna, sem educação e sem qualidades pessoais: Guy de Lusignan.

O romance foi ter consequências políticas desastrosas. Guy era desservido por suas qualidades negativas.

Tido como tapado na própria família, quando ficaram sabendo que “Guion” – como era apelidado – estava a ponto de ganhar uma coroa pelo raio de uma rainha fantasiosa, seu irmão mais velho estourou de rir: “Se Guy ficar rei, por que eu não ficaria deus?”

Resumindo os detalhes que nos fornecem os cronistas: uma corte em decadência, uma herdeira do trono que trazia um belo homem sem valor; a outra irmã do rei escolhia um jovem senhor insignificante, uma rainha mãe frívola, cúpida, só intervindo em favor de uma camarilha.

Por seu lado, o rei sucumbia sob a lepra e, apesar de seu grande valor, passava mais frequentemente o tempo aniquilado pela repugnante doença. Todos os elementos para a queda de um Estado.

Só um homem podia salvar o reino: o conde de Trípoli, Raimundo III. Mas ele era precisamente o odiado pela camarilha.

Mais um ator iria ganhar um lugar preponderante nas questões do Reino: o antigo príncipe de Antioquia, Renaud de Châtillon, que tinha saído das prisões turcas.

Vinte anos atrás, como príncipe de Antioquia, por suas malfeitorias e atrocidades ele tinha revoltado o império bizantino contra os francos.

Mas o que aconteceria se ele renovasse os mesmos atos de banditismo contra um adversário como Saladino?

Bruscamente, sem contrapeso nem freios, o velho aventureiro ia arrastar o reino para a aventura.

No verão de 1181, em plena paz e sem mesmo ter tido a ideia de denunciar a trégua, ele entrou na Arábia com a esperança de pilhar os peregrinos até a Meca. Ele não conseguiu executar seus projetos, mas surpreendeu e roubou uma caravana que ia tranquilamente para Damasco.

A notícia dessa agressão insensata atirou na consternação a corte de Jerusalém. Balduíno IV foi tomado de violenta indignação pela conduta de seu vassalo.
Saladino, Cristofano dell'Altissimo (c 1525–1605)
Saladino, Cristofano dell'Altissimo (c 1525–1605)


A paz, tão indispensável para os francos, fora rompida em circunstâncias odiosas, ficando aos olhos de todo o Islã como uma violação da fé engajada.

Renaud recusou brutalmente todos os apelos à honra ou ao dever a ele dirigidos. O infeliz rei confessou sua impotência a Saladino. Foi a guerra geral.

Ao mesmo tempo, foi a ruína da autoridade monárquica e do Estado franco. O mais poderoso dos vassalos feudais aproveitou da decadência física do rei leproso para proclamar implicitamente o fim da monarquia.

Desafiando-a abertamente, ele jogou o rei e o reino na via do suicídio.

Do Cairo, Saladino acorreu a Transjordânia com todo o exército egípcio. Renaud de Châtillon, que acabava de desrespeitar a autoridade real, implorou o auxílio de Balduíno IV para preservar seu feudo.

O jovem rei, cuja santidade igualava ao heroísmo, teve a generosidade de ouvir esse apelo, apesar do risco de desguarnecer a Palestina.

Ele desceu com o exército francês para Moab; mas, evitando o engalfinhamento, Saladino escapuliu para Damasco, enquanto outros corpos muçulmanos faziam incursões pela Galileia a sangue e a fogo.

O sultão atravessou o Jordão com todas suas forças, invadiu a Galileia, atacou a praça de Beisan e a fortaleza franca de Belvoir, atual Kaukab, que defendia a rota de Nazaré.

O exército de Balduíno voltou de Moab e tomou posição diante dele. Apesar da inferioridade numérica, os francos apresentaram uma atitude tão fera, que Saladino, diante da agressividade do contra-ataque, voltou a atravessar o Jordão vencido (julho de 1182). 



(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).

continua no próximo post: Diante de Beirute, Saladino foge de Balduíno IV


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terça-feira, 5 de março de 2024

Saladino é forçado a aceitar a paz diante do rei leproso

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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política internacional,
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continuação do post anterior: Contra Saladino, Balduíno IV conquista em Montgisard a mais bela vitória das armas cristãs



Balduíno aproveitou a vitória de Montgisard para pôr a Galileia a salvo das incursões oriundas de Damasco.

Em outubro de 1178, ele ergueu uma poderosa fortaleza no Outeiro de Jacó, sobre as margens do alto Jordão, destinada a controlar a rota histórica que vai de Tiberíades a Qouneitra.

Mais ao norte, nas fontes do Jordão, disputou aos damascenos a região de Baniyas, velha marca fronteiriça perdida havia pouco tempo.

Em abril de 1179, junto com seu condestável Onfroi de Toron, ele executou uma incursão não muito feliz, sendo surpreendido pelas tropas damascenas.

Responsável pela imprudência que pôs tudo a perder, o velho condestável salvou o jovem rei cobrindo-o com seu próprio corpo na retirada, e, crivado embora de feridas, conteve o inimigo e morreu com a honra salva em seu castelo de Hounin.

Entrementes, Saladino voltou do Egito com um novo exército e preparou em Baniyas a invasão da Galileia.

Ousadamente, Balduíno IV resolveu antecipar-se.

Colocou-se à testa de sua cavalaria e acompanhado pelo conde de Trípoli galopou até a entrada de Mardj Ayoun, a “pradaria” situada entre o grande cotovelo que forma o rio Litani e o bosque de Baniyas.

Ali, desde as alturas de Hounin, ele contemplou as massas inimigas operando sua concentração, enquanto os provedores de forragens retornavam de suas lucrativas pilhagens na Fenícia.

Renovando o golpe de surpresa de Montgisard, Balduíno se lançou sobre esses destacamentos isolados e os pôs em fuga.

Infelizmente, na descida demasiado rápida da montanha, os cavaleiros tinham em alguma medida se dispersado. O que deu a Saladino tempo de acorrer com o grosso de suas forças a partir de seu quartel- general.

Reorganizando os fugitivos, Saladino caiu sobre a ofegante cavalaria franca, dispersando-a após um furioso embate.

Balduíno IV e o conde de Trípoli conseguiram escapar, mas o número dos mortos e dos cativos foi considerável (1° de junho de 1179).

Algumas semanas depois, Saladino foi arrasar a fortaleza do Outeiro de Jacó, acabando ali as hostilidades.

No ano seguinte, Balduíno IV e Saladino concluíram uma trégua renovável, que no direito franco-muçulmano da época equivalia à paz.

Tudo somado, durante esses três anos, o rei leproso havia enfrentado face a face o temido sultão, e o acordo de 1180 consagrou o statu quo.



(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).

continua no próximo post: Um rei leproso e herói, em uma corte decadente e pusilânime




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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Balduíno IV vence Saladino
na mais bela vitória das armas cristãs

Balduíno IV na batalha de Montgisard. Charles Philippe Larivière (1798-1876).
Balduíno IV na batalha de Montgisard. Charles Philippe Larivière (1798-1876).
Luis Dufaur
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continuação do post anterior: O rei leproso começa pondo em xeque o poder de Saladino



A brilhante vitória do jovem soberano na Beqaa só fazia aumentar o pranto pela doença incurável que o tinha atingido.


A lepra piorava, vedando-lhe qualquer esperança de casamento. No lendemain de seu triunfo ele se encontrou na obrigação de acertar as questões relativas à sucessão.

A escolha de Balduíno IV e de seus conselheiros recaiu no barão piemontês Guilherme Longa-Espada, filho do marquês de Montferrato.

No início de outubro de 1176 esse loiro jovem, um dos mais formosos e valentes cavaleiros de sua época, desembarcou em Sidon, onde desposou a princesa Sibila, irmã de Balduíno, em meio a magníficas festas.

Mas a sorte se encarniçava contra a França de ultramar. Após poucos meses, o paludismo levou Guilherme à cidade de Ascalon, voltando o problema da sucessão a ficar em aberto (junho de 1177).

Nesse ambiente desembarcou na Palestina, acompanhado de uma impressionante escolta, um cruzado ilustre: o conde de Flandres Filipe de Alsácia. Balduíno IV, que era seu primo em primeiro grau, acolheu-o como um salvador.

Justamente naquele momento, o imperador bizantino Manoel Comneno cumpria com as promessas feitas ao falecido rei Amaury e anunciava o envio de uma Armada para cooperar com os francos numa nova incursão no Egito.

Porém, Filipe recusou-se a participar dessa expedição que lhe parecia incerta.

Não deixava de ser verdadeiro que o império de Saladino só podia ser derrubado no Egito, mas com a condição de que franceses e bizantinos dessa vez cooperassem nas operações com idêntico ardor.

Malgrado as súplicas patéticas do Rei Leproso, Filipe da Alsácia ficou obstinado na sua recusa. Sentindo-se rejeitados, os almirantes bizantinos fizeram vela.

Montgisard: o local da batalha
Montgisard: o local da batalha
Por sua parte, em lugar de atacar Saladino no ponto vulnerável que era o delta do Nilo, Filipe partiu para lhe fazer guerra na Síria do norte, não sem levar emprestado as melhores tropas do reino de Balduíno IV.

Saladino percebeu que, assim agindo, a Palestina ficava desguarnecida de defensores.

Deixou então logo o Egito com sua cavalaria, e conduziu um ataque fulminante contra Ascalon, a principal via de circulação do poder franco no sudoeste.

Nessa situação angustiante, o jovem rei foi heroico.

Ele só tinha ao alcance das mãos cerca de 400 homens. Reunindo todos os soldados que podia, saiu para interceptar o invasor com a relíquia da Verdadeira Cruz.

Sua marcha foi tão rápida que ele se adiantou a Saladino em Ascalon. Mas apenas entrou na fortaleza, foi atacado pelo exército egípcio, composto por 26 mil homens.

A situação dos francos parecia tão desesperadora que Saladino negligenciou esse pequeno e miserável exército, cuja rendição lhe parecia questão de horas.

Ele deixou então Ascalon sitiada por alguns magotes de tropas e partiu direto contra a Judeia e Jerusalém, desprovidas de defensores.

Balduíno IV na batalha de Montgisard, detalhe.
Charles Philippe Larivière (1798-1876).
Enquanto passava pela planície que se estende de Ascalon até Ramla, ele ia queimando as cidadezinhas e pilhando as quintas, deixando que seus esquadrões se enriquecessem com o saque de toda uma região.

Em sua marcha triunfal e sem obstáculos, ele chegou perto de Telle Djezer, que os francos chamam de Montgisard.

Ali ele foi comandar a travessia do leito de um rio seco (“oued”) quando, para sua estupefação, viu surgir por cima de si, do lado menos esperado, esse exército franco que ele julgava reduzido à impotência atrás das muralhas de Ascalon (25 de novembro de 1177).

É que ele não tinha levado em conta Balduíno IV.

Assim que o rei, desde o alto das torres de Ascalon, constatou a partida de Saladino, saiu a campo com seu pequeno exército.

E, em lugar de seguir o inimigo pela grande rota de Jerusalém, ele o fez por um atalho ao norte, ao longo da costa, virando em linha reta para o sudeste e cortando a estrada dos muçulmanos.

Um vigoroso desejo de vingança crescia na pequena tropa enquanto atravessava os campos incendiados pelos predadores inimigos. Perto de Ramla, perceberam as colunas muçulmanas entrando no leito do rio.

Com certeza, em qualquer outra ocasião, a cavalaria franca teria hesitado diante de sua incrível inferioridade numérica, mas o fogo dos primeiros cruzados animava o Rei Leproso.

“Deus, que faz aparecer sua força nos débeis, escreveu Miguel o Sírio, inspirou o rei doente.

“Ele desceu de sua montaria, prosternou-se em terra diante da Cruz e rezou com lágrimas nos olhos.

“Diante deste espetáculo, o coração de todos os soldados ficou emocionado, jurando eles sobre a Cruz não retroceder e ter em conta de traidor quem quer desse meia-volta.

“Eles voltaram a montar os cavalos e carregaram”.

Na primeira fileira ia a Verdadeira Cruz, levada pelo bispo D. Aubert de Belém. Ela iria mais uma vez dominar a batalha: mais tarde os combatentes cristãos disseram ter tido a impressão de que no meio do engajamento ela parecia imensa a ponto de tocar no céu.

Os cronistas nos descrevem Balduíno IV e seus 400 cavaleiros imergindo e desaparecendo num instante entre a multidão das forças muçulmanas que tentavam se reorganizar no leito do rio seco.

Os muçulmanos acharam de início que afogariam os cristãos pelo peso do número, mas logo começaram a perder o controle diante da fúria francesa.

Batalha de Montgisard, conceito moderno
Batalha de Montgisard, conceito moderno
“O local da passagem, diz o “Livro dos dois jardins”, ficou entulhado com as bagagens do exército. Subitamente surgiram os esquadrões dos francos, ágeis como lobos, latindo como cachorros, que carregaram em massa, ardendo como chamas. Os muçulmanos perderam pé”.

Saladino, o sultão do Egito e de Damasco, com seus milhares de turcos, curdos, árabes e sudaneses, fugiu diante dos 400 cavaleiros do jovem leproso.

E foi uma fuga em debandada, jogando bagagens, cascos, armas, galopando através do deserto de Amalek, em linha reta rumo aos córregos de Egito e do delta do Nilo.

Balduíno IV passou dois dias para recolher um botim prodigioso em todas as estradas, e depois retornou a Jerusalém num cortejo triunfal.

De fato, vitória cristã mais bela jamais foi obtida no Levante.

E na ausência do conde de Flandres e do conde de Trípoli, todo o mérito recaiu no heroísmo do rei que com seus 17 anos se igualava à maturidade de um Godofredo de Bouillon ou de um Tancredo, triunfando ainda que por um instante sobre a doença que corroía seu corpo.

(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).

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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

O rei leproso pôs em xeque o poderoso Saladino

Coroação de Balduíno IV
Coroação de Balduíno IV
Luis Dufaur
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continuação do post anterior: Balduíno IV, o rei leproso que espantava os muçulmanos


Nos dias que se seguiram à morte de Amaury I e após a sagração de seu sucessor na Coroa do Santo Sepulcro, começou a luta pelo poder em volta do jovem doente.

Porém, como o reino corria grave perigo, o realismo prevaleceu e o instinto de conservação dominou o “Parlamento”, reunião realizada em Jerusalém no fim de 1174.

Dito “Parlamento” aclamou Raimundo III, conde de Trípoli, como regente, com o apoio da unanimidade dos bispos e dos nobres, decisão que “todo o povo recebeu com grande alegria”.

Tão logo assumiu sua função, o regente deu um golpe de mestre contra o Islã.

No transcurso do inverno 1174—1175, Saladino veio sitiar Alepo. Se ele conseguisse tomar a praça, a unidade muçulmana ficaria selada do Sudão ao Eufrates.

Mas o conde de Trípoli correu e, com uma rápida intervenção sobre Homs, obrigou Saladino a deixar sua presa (fevereiro de 1175).

Enquanto o regente trabalhava desse jeito no norte, o menino-rei não ficava inativo na Palestina.

No mesmo ano de 1175, no momento da safra, ele se pôs à testa dos seus (tinha então 14 anos e a doença ainda não havia arrasado sua energia física).

Conduziu então uma brilhante cavalgada para além do maciço do Hermon até Dareya, apenas a cinco quilômetros de Damasco.

Saladino se viu diante da perspectiva de uma guerra em duas frentes e preferiu fazer a paz com os francos.

Saladino incendeia uma cidade. Chroniques de Guilhaume de Tyr. BNF, Mss fr 68, folio 359.
Saladino incendeia uma cidade. Chroniques de Guilhaume de Tyr.
BNF, Mss fr 68, folio 359.
Porém, foi apenas um adiamento. Levado pelo desejo de completar a unidade da Síria muçulmana, Saladino voltou a sitiar Alepo em julho de 1176.

O jovem Balduíno IV voltou a se pôr em campanha, desta vez visando o fértil vale da Beqaa.

Após derrotar um corpo de exército damasceno perto de Andjar, Balduíno conduziu com “grande alegria” sua cavalaria até Tiro, onde o botim foi dividido.

Assim, sob o reinado do pobre leproso adolescente, inclusive na presença da unidade muçulmana reconstituída em quase três quartas partes, os francos mantinham o Islã em xeque.


(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).




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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Balduíno IV, o rei leproso que espantava os muçulmanos

Coroação de Amaury I, rei de Jerusalém
Biblioteca Nacional da França, Mss fr 68, folio 297v
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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A morte do rei de Jerusalém Amaury I [pai de Balduíno IV] foi um desastre. Jamais uma desaparição teve tão graves consequências para o destino de um Estado.

Como político audacioso, Amaury optou por vias novas, com iniciativas através das quais a Cruzada seria triunfante ou ferida de morte.

Após conseguir durante um momento estabelecer o protetorado franco sobre o Egito, viu seu intento virar contra ele e o Egito cair precisamente no poder do mais temível dos chefes muçulmanos: o grande Saladino.

Mas a última palavra ainda não havia sido pronunciada e tudo podia ser consertado. Porém, o destino levou-o brutalmente no momento decisivo.

Sua morte deixara o campo livre para Saladino. Este se apresentou em 25 de novembro de 1174 diante de Damasco, entrou sem encontrar resistência e anexou a grande cidade.

Homs e Hama tiveram a mesma sorte. Com exceção de Alepo, Saladino ficou dono da Síria muçulmana e do Egito.

Virada catastrófica de situações! Na véspera, o reino franco de Jerusalém se beneficiava da divisão político-confessional entre o Cairo e a Síria, manipulando à vontade a anarquia muçulmana e apresentando-se como árbitro do Oriente.

Eis que, da noite para o dia, ele se encontrou cercado por uma poderosa monarquia militar dirigida por um chefe de talento, prestes a explorar todas as divisões dos francos.

Para recolher essa terrível herança, Amaury I só deixou um filho de treze anos, o jovem Balduíno IV.

É verdade que o adolescente sobre quem pousava o destino da França de ultramar mostrava ser um dos mais brilhantes representantes da dinastia de Anjou.

Ele era, segundo nos conta Guilherme de Tiro, um menino charmoso e notavelmente dotado: formoso, vivo, aberto, ágil nos exercícios físicos, perfeito ginete.

Ele tinha uma grande rapidez de espírito e uma excelente memória — “jamais esqueceu um insulto, menos ainda um favor” —, manifestava-se como o mais cultivado dos príncipes de sua família.

Desde os nove anos fora-lhe dado como preceptor o futuro arcebispo Guilherme de Tiro, historiador e homem de Estado, que depois seria seu chanceler.

Sabemos pelo testemunho do mestre que o aluno aproveitava admiravelmente as aulas, especialmente as de letras latinas e o estudo da história, que o apaixonava.

Guilherme de Tiro descobre a lepra no futuro rei Balduíno IV
Guilherme de Tiro descobre a lepra no futuro rei Balduíno IV
Mas já nas primeiras linhas do retrato emocionado que Guilherme de Tiro desenhou de seu real aluno, pode-se apalpar um fundo de tristeza.

Esse menino tão formoso, tão comportado e já tão cultivado, fora atingido secretamente do mal horrível que lhe valeu o apelido de Balduíno o Leproso.

Guilherme nos conta como foi percebida a doença, num dia em que o jovem príncipe brincava com outras crianças.

“Acontecia que no entusiasmo do jogo as crianças machucavam as mãos, e então choravam. Somente o pequeno Balduíno não se queixava. Guilherme ficou surpreso. O menino respondeu que não sentia nada. Viu-se então que sua epiderme era realmente insensível. Foi confiado aos mires, mas sua arte se revelou impotente para curá-lo”.

Foram os primeiros sintomas da terrível doença que, ano após ano, foi fazendo desse adolescente cheio de valia um cadáver vivo.

O reinado do infeliz jovem de 1174 a 1185 – subiu ao trono com 13 anos e morreu com 24 – não foi, entretanto, apenas uma lenta agonia, mas uma agonia a cavalo, enfrentando o inimigo, sempre ereto, em virtude do sentimento da dignidade real, do dever cristão e das responsabilidades da coroa nessas horas trágicas onde ao drama do rei correspondia ao drama do Reino.

E quando a doença piorou e o Leproso não mais podia montar na sela, ele se fez levar de liteira ao campo de batalha e a simples aparição desse moribundo sobre a liteira punha em fuga os muçulmanos.


(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas; pp 171 e ss. Excertos).

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