quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A Batalha Total
o grande cerco de Malta (4)

Grande Cerco de Malta: assalto turco às posições castelhanas.
Grande Cerco de Malta: assalto turco às posições castelhanas.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




continuação do post anterior: o acordo impossível (3)



A partir de 15 de julho, a Baía Grande de Malta transformou-se num incrível cenário de confrontos. A guerra foi travada literalmente de todos os modos.

Canhões lançavam projéteis mortais pelos ares. Arcabuzeiros, lanceiros e espadeiros se digladiavam em terra. Túneis subterrâneos eram escavados incessantemente por mineiros para implodir as muralhas pela base.

Isso forçava os cristãos a fazer seus próprios túneis para destruir os do inimigo. Houve terríveis batalhas até sob a terra.

Numa ação surpreendente, os turcos transportaram navios até o sudoeste da baía, arrastando-os por terra sobre toras de madeira. Os cristãos não esperavam ter de enfrentar também a frota no mar.

Em princípio, os canhões de Santo Ângelo manteriam os navios turcos longe, mas agora as águas próximas às defesas estavam juncadas com mais de 80 embarcações.

Sob a água, mergulhadores turcos tentaram destruir as grandes barreiras de correntes que impediam a aproximação dos navios junto às defesas.



Os nadadores malteses tiveram muito trabalho neste inusitado cenário de batalha. Mas, como conheciam bem aquelas águas, armados com punhais entre os dentes, repeliram com êxito os turcos em sangrentas lutas corpo a corpo.

No primeiro ataque geral, os turcos se concentraram na base da península de Senglea. Depois que os canhões silenciaram, os guerreiros turcos se atiraram sobre as paredes do Forte São Miguel.

Ao mesmo tempo, a frota turca avançou a toda velocidade, mas teve de deter-se ao encontrar as barreiras submarinas ainda intactas.

Grande Cerco de Malta, avanços muçulmanos.
Grande Cerco de Malta, avanços muçulmanos.
Os soldados turcos saltaram então no mar, e avançaram para dentro da fortaleza através de uma brecha aberta por uma explosão.

A situação era desesperadora, mas La Valette já a havia previsto. Ele sabia que as defesas de Senglea eram mais débeis e por isso havia mandado alinhar barcos formando uma ponte com a outra península.

Os soldados cristãos de Birgu vieram rapidamente para o resgate. Os turcos foram repelidos no último momento.

Enquanto isso, Mustafá, vendo as atenções voltadas para o sul de Senglea, ordenou que 10 navios com mil janízaros(2) atacassem o norte da península. O lance teria sido devastador. Mas La Valette, de novo, não foi surpreendido.

Um grupo de cavaleiros armados com peças de artilharia estava escondido em uma brecha da península. À passagem dos navios, eles abriram fogo, causando a morte de 800 janízaros.(3)

As investidas turcas foram se sucedendo dia após dia durante todo mês de agosto. Num dos ataques à cidadela de Birgu, os turcos atravessaram as primeiras muralhas, mas foram surpreendidos por uma segunda linha de defesa.

Sem poder avançar nem recuar, centenas deles foram eliminados pelo fogo certeiro dos cavaleiros.

Numa nova investida a Birgu, os turcos, aproveitando-se do colapso de uma parte das muralhas, conseguiram chegar quase ao centro da cidadela.

La Valette, percebendo a situação crítica, foi pessoalmente de espada em punho tomar a frente do contra-ataque. Motivados pelo corajoso exemplo do Grão-mestre, os cavaleiros se tomaram de tal ardor que logo fizeram retroceder os turcos com formidáveis golpes de lança e espada.

Mustafá tentou uma nova tática contra a até então invencível resistência dos cavaleiros: uma enorme torre rolante. Sua intenção era aproximar a máquina até as muralhas e lançar rapidamente os atacantes dentro da fortaleza.

Isso deu ocasião para o gênio de La Valette brilhar mais uma vez. De longe ele observou a construção e o transporte da torre.

Quando esta foi encostada nas muralhas, o Grão-mestre já sabia o que fazer. Paradoxalmente, ele havia pensado o “impensável”: colocar abaixo as próprias defesas!

Uma mina foi detonada pelos cavaleiros na base da muralha. O buraco aberto deixou exposto o pé da torre. Um canhão previamente posicionado abriu fogo através da brecha e, em questão de segundos, o terrível engenho de guerra foi ao chão. Foi um duro golpe para os infiéis e um dos derradeiros.

Chega o resgate

No início de setembro, o poderoso exército turco estava ficando sem munição e víveres. Muitos homens estavam doentes ou desmotivados. Seu último sucesso fora a conquista do Forte Santo Elmo, havia quase três meses.

Apesar de todos os bombardeios e dos esforços de dezenas de milhares de soldados turcos — a maioria dos quais jazia morta nos fossos — a guarnição cristã permanecia resolutamente erguida.

“Trabalhando noite e dia, os defensores reparavam as brechas e a captura de Malta parecia mais e mais impossível.”(4)

La Valette, por seu turno, já não confiava mais na força de resgate de D. Garcia, vinda da Sicília, que deveria ter chegado até o fim de agosto. “O único auxílio que podemos esperar é o de Deus onipotente”, (5) disse ele ao seu secretário.

Mas o Grão-mestre ainda não sabia que uma sentinela já trouxera a notícia a Mustafá: a frota da Sicília havia chegado, fora avistada do outro lado da ilha. O chefe turco ordenou o abandono de Malta o quanto antes. Era o dia 4 de setembro de 1565.

A frota turca já tinha levantado âncora quando Mustafá foi informado que o exército de D. Garcia era composto de apenas 10 mil homens.

Querendo evitar a vergonha completa, o comandante ordenou que todos voltassem para a ilha num último lance desesperado.

Mas as novas tropas cristãs, ávidas para combater, desbarataram os turcos num violento choque de cavalaria.

Palácio atual do Grão Mestre de Malta, em Valette
Palácio atual do Grão Mestre de Malta, em Valette
As fileiras dos infiéis entraram em confusão e se dispersaram. Incontáveis turcos pereceram na tentativa desesperada de voltar às embarcações. As águas do mar ficaram tingidas de vermelho. Foi o último erro de Mustafá.

A frota turca se distanciou, levando agora o que restou daquele formidável exército otomano. Apenas 15 mil dos 40 mil homens voltaram a Constantinopla. Mustafá, envergonhado, teve de atracar os navios no porto da cidade durante a noite.

Em Malta, a vitória foi comemorada com o Te Deum. Em toda a Europa se exaltava a façanha dos cavaleiros.

O Santo Padre enviou cartas de louvor aos heróis da resistência. A Ordem de Malta atingia o auge de sua glória.

Uma nova cidade foi erguida junto ao glorioso Forte Santo Elmo. Ainda hoje podemos vislumbrar a figura do grande general cristão no nome da capital de Malta: Valette.

FIM

(Autor: Paulo Henrique Américo de Araújo, in CATOLICISMO, agosto e outubro 2014)




  • Notas e referências:
  • 1. WEISS, Juan Baptista. Historia Universal, Editora Tipografia La Educación. Tradução da 5ª edição alemã, Barcelona, 1927, Volume IX, p. 493-5.
  • 2. Janízaros: corpo de elite do exército turco. Eram recrutados entre os jovens cristãos do império. Sequestrados, escravizados e forçados a renegar a fé, recebiam um treinamento especial longe das volúpias e corrupções turcas.
  • 3. BALBI, Francisco. The Siege of Malta-1565, The Boydell Press, Woodbridge, 2005. p. 115.
  • 4.COHEN, R. Knights of Malta, 1523-1798, E-Book, 2004. p. 12.
  • 5. WEISS, op. cit. p. 496.
  • Outras obras consultadas:
  • - COHEN, R. Knights of Malta, 1523-1798, E-Book, 2004.
  • - BALBI, Francisco. The Siege of Malta-1565, The Boydell Press, Woodbridge (EUA), 2005. 


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